domingo, 13 de janeiro de 2008

Maria de Mágdala – Resgate do seu valor

Para não reconhecer o valor e o papel da mulher em grandes acontecimentos históricos, o caminho mais fácil para a nossa instituição androcêntrica foi distorcer a sua história. Podemos chamar de violência simbólica, quando uma mentira é instaurada no lugar de uma verdade. Parece tão natural, que a deformação do real se torna eficaz em nossas mentes. Um grande exemplo dessa violência histórica é Maria de Mágdala, conhecida como Maria Madalena.

Maria de Mágdala teve sua identidade roubada e, por tantos séculos sua história foi distorcida, que há grande dificuldade em resgatar sua real importância.

Segundo os registros dos Evangelhos, Maria não era uma ex-prostituta. Em nenhum momento da história mostra que Maria atuava como prostituta. Existe a citação de uma pecadora que unge os pés de Jesus (Lucas 7.37, 38), mas ela não é identificada. Essa associação acontece pela primeira vez no século VI, na Igreja do Ocidente, onde Gregório Magno, em seu sermão de 14/09/591, identifica a mulher pecadora tanto com Maria Madalena quanto com a Maria de Betânia. A partir daí foi fácil para a igreja continuar essa associação e, de forma até poética, usar o arrependimento dessa mulher pecadora como exemplo a ser seguido.

As informações que temos a seu respeito, segundo os Evangelhos, são de que era uma das seguidoras de Jesus, com uma liderança reconhecida, que encabeçou o grupo das mulheres que cuidaram do corpo de Jesus quando ele morreu, foi a primeira testemunha de sua ressurreição e a primeira a divulgá-la. Também está registrado que dela Jesus tirou sete demônios. A possessão demoníaca nos evangelhos não é identificada apenas com pecado, mas principalmente com a enfermidade. Ela provavelmente sofria de uma enfermidade de caráter psíquico, que pode representar tristeza, angústia ou a negação de Deus. O número sete representa a totalidade do ser, ou seja, Maria foi completamente curada de seus problemas, ou de seu afastamento de Deus. Além destes dados, podemos saber mais a seu respeito a partir do seu apelativo – de Mágdala. Maria não era chamada a partir de um homem (marido, pai ou irmão), mas segundo sua cidade de origem. Por ser chamada assim, indica que ela não vivia mais em seu povoado. Podemos entender mais sobre ela conhecendo o contexto de Mágdala. Era uma cidade com notável comércio têxtil e de tinturaria, bem helenizada – formada pela cultura grega – considerada num clima político revoltoso, centro da rebelião zelota contra os romanos. Maria também fazia parte do grupo que seguia Jesus, portanto, com possibilidade de itinerância e independência financeira.

Existem muitas outras citações de Maria de Mágdala, sua liderança e desenvolvimento eclesiástico nos escritos de Nag Hamadi, porém, vou me ater às informações encontradas nos evangelhos. Com estes dados, já podemos reconhecer o erro histórico contra a identidade de Maria ao associá-la com uma prostituta arrependida, que não tinha nada e passou a seguir o Mestre, escondida por trás da liderança dos apóstolos. Podemos perceber que Maria foi essencial na propagação do evangelho e na construção da igreja de Cristo. Infelizmente, a institucionalização eclesiástica, regada por um patriarcalismo crescente, omitiu o papel dessa apóstola de Jesus na formação do cristianismo primitivo.

Se a líder que encabeça a luta por um papel importante para a mulher no novo movimento... se a força de sua memória e de sua imagem é neutralizada... é mais fácil silenciar as mulheres e roubar delas um protagonismo que molesta e incomoda.” (Carmiña Navia Velasco “Violência Histórica contra Maria de Mágdala” – In: “As Mulheres e a Violência Sexista”)

Nós, mulheres, precisamos resgatar nossa história e valorizar aquelas que doaram suas vidas em prol do evangelho de Cristo. Não podemos aceitar essa violência contra a nossa história, nossa identidade, nosso valor e nosso papel como seguidoras de Cristo.

Que sejamos fortes como Maria de Mágdala, que, apesar de ter sua identidade roubada, marcou a história como uma grande líder, que passou adiante os ensinamentos de Cristo.