quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Honradas sejam as mulheres

Por causa da liderança de Débora, o povo de Israel venceu a guerra. Por causa da ousadia de Jael, Sísera, que oprimia seu povo, foi morto.

Durante a nossa vida ouvimos que somos o “pescoço do homem”, que somos suas auxiliadoras, que durante nossa vida devemos servi-los. Desde criança, aprendemos que o pai é o chefe da casa, mesmo quando é a mãe quem nos educa e nos ensina a viver.

Nossos patrões são homens, nossos governantes são homens e aqueles que, aparentemente tomam todas as decisões por nós são os homens.

Nos tempos de Débora não foi diferente. Débora era profetisa e juíza. Julgava as decisões das pessoas que a procuravam, trazia as mensagens de Deus para os eu povo e liderava-os em nome do Senhor, o Deus de Israel.

Deus convocou Baraque para liderar uma guerra contra Sísera, o comandante do exército inimigo. Mas Baraque teve medo.

Quantas vezes tivemos medo. Quantas decisões passaram por nossas mãos e situações que precisávamos das a palavra final, e não hesitamos, não voltamos atrás. Agimos.

Baraque disse para Débora: “Se você for comigo, irei; mas, se não for, não irei”. E Débora respondeu: “Está bem irei com você. Mas saiba que, por causa do seu modo de agir, a honra não será sua; porque o Senhor entregará Sísera nas mãos de uma mulher”.

Débora ficou o tempo todo sustentando Baraque enquanto este liderava a batalha. Eles venceram a guerra, e foi Jael, uma mulher que simplesmente aparece na história, que finaliza a guerra, matando Sísera com uma estaca.

A honra foi da mulher.

Não defendo um feminismo discriminador e sexista que afirma que somos superiores aos homens e não precisamos deles.

Pelo contrário, defendo a honra de mulheres como Débora e Jael, que não hesitaram. Mulheres que provavelmente tiveram medo, mas encararam esse medo de frente e cumpriram o seu propósito em nome de Deus.

Honradas sejam as mulheres que fazem além do que lhes é ordenado.
Honradas sejam as mulheres que lideram e julgam com igualdade e sabedoria.
Honradas sejam as mulheres que, mesmo não valorizadas, dividem sua glória com homens que elas mesmas sustentam ou lutam ao seu lado no dia-a-dia.

“Ouçam, ó reis! Governantes escutem!
Cantarei ao Senhor, cantarei;
Comporei músicas ao Senhor, o Deus de Israel.
(...)
Já tinham desistido os camponeses de Israel, já tinham desistido,
Até que eu, Débora, me levantei,
Levantou-se uma mãe em Israel.
(...)
Meu coração está com os comandantes de Israel,
Com os voluntários dentre o povo.
Louvem o Senhor.
(...)
Desperte, Débora! Desperte!
Desperte, desperte, irrompa em cânticos!
(...)
Que Jael seja a mais bendita das mulheres,
Jael, mulher de Héber, o queneu!
Seja ela bendita entre as mulheres que habitam em tendas.
(...)
E a terra teve paz durante quarenta anos.”

Bíblia – Nova Versão Internacional – Juízes 4.1-5.31

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Mulheres-Leoas

“Pois as mulheres daqueles tempos eram mais corajosas que leões, compartilhando com os apóstolos seus labores por amor ao Evangelho. Dessa maneira, viajavam com eles e desempenharam todos os outros ministérios”

(João Crisóstomo, falando a respeito das mulheres do início do Cristianismo em suas homilias. Citado em Reily: 1989: p.32)

A leoa é um animal ágil, forte, de passos lentos e seguros. É ela quem caça e, geralmente, as leoas caçam em cooperativa. Antes de dar à luz aos seus filhotes, ela escolhe cuidadosamente o local, e durante as primeiras semanas ela mantém-se em estado de alerta e defende sua prole. Muitas vezes uma leoa alimenta um filhote que não é seu. Os leões e leoas que pertencem ao mesmo grupo gozam dos mesmos direitos. O predomínio dos machos apenas se manifesta no momento da divisão das presas, mas é a fêmea quem caça, cuida dos filhotes e traz a presa para sua moradia.

Apesar de tudo isso, os leões é que são os “reis da floresta”.

Como isso se reflete em nossa história. Nós, mulheres, ágeis, fortes, seguras em momentos que nos surpreendem, damos à luz aos nossos filhos, cuidamos, protegemos e os educamos, trazemos o alimento ao nosso lar, mas somos apenas as “companheiras”, as “auxiliadoras”.

E mais. Aprendemos que por causa de uma mulher o pecado entrou na existência humana, e por causa deste pecado, sangramos todo mês, sentimos dores, e nosso corpo é considerado mal, pecaminoso. Não temos o domínio sobre o nosso próprio corpo.

O que aconteceu com as “mulheres-leoas” da nossa história? Míriam, que assumiu posição de liderança, ao lado de seu irmão Moisés, na saída do Egito (Êxodo 15.20-21), e logo em seguida é castigada e esquecida (Números 12.1-16; 20.1). Raabe, que negou a ordem pro próprio rei para auxiliar os espiões hebreus, a reconhecerem a terra, e é apenas lembrada como a prostituta estrangeira (Josué 2.1-21). Débora, que assumiu a guerra no lugar de um homem fraco, a profetiza que venceu os cananeus em nome de Deus, e é tão pouco citada (Juízes 4.1-31). Ana, que se calou diante de toda humilhação que sofreu durante sua vida, e foi tachada de bêbada, por se derramar diante de seu Deus, e é lembrada apenas como a mãe do grande profeta Samuel (I Samuel 1.1-28). E tantas outras mulheres, que fazem parte da nossa história, mas que quase não são lembradas.

Até quando seremos esquecidas ou omitidas por causa de rótulos sexistas e substituídas por coadjuvantes masculinos da história, por causa de uma leitura patriarcal?

Nós, mulheres, somos leoas, corajosas, fortes, que enfrentamos todos os dias as batalhas da vida, que encaramos a cada instante, verdadeiras lutas pela sobrevivência de nossa história.

Nós, mulheres cristãs de hoje, somos como as mulheres cristãs daqueles tempos, que, como leoas, levamos o nome de Deus em nossa vida, ensinamos o caminho do amor aos nossos filhos, abrimos mão de títulos, para que Ele cresça e não nós. Cada dia, como leoas, por amor ao Evangelho, usamos nossa força para que este seja propagado a todas e todos. Compartilhamos nossos labores, desempenhamos nossos ministérios, nos entregamos integralmente, por amor, a Jesus e à sua boa-nova de salvação.

“Deus, agradecemos por ter-nos criado mulher. Agradecemos pelo nosso corpo que não é mal, mas belo e criado para tua glória. Te louvamos pela bravura que colocaste em nossa existência. E acima de tudo, obrigada por nos criar mulher, e assim, nos dar a capacidade de trazer a vida, de suportar os labores todos os dias, de sonhar e ver os sonhos se tornarem realidade, e de poder ter a sensibilidade e a liberdade de nos entregarmos completamente ao Teu amor e aos propósitos que tens pra nós. Continue nos fortalecendo, para que sejamos as “mulheres-leoas” em prol da Tua vontade. Amém”


Fonte:

REILY, Duncan Alexander. "Ministérios Femininos em Perspectiva Histórica" Campinas, CEBEP, 1989.

www.saudeanimal.com.br/leao_r.htm

www.girafamania.com.br/introducao/inimigos_leao.html

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Reconstrução da História a partir da Mulher (Cristianismo Primitivo)

A presença e a atuação das mulheres na Bíblia e na história do nascimento do cristianismo são valiosas para o estudo das origens cristãs. Grandes mulheres marcaram nossa história – a história cristã – com seus exemplos de discipulado, devoção e liderança. Seguidoras, discípulas, mantenedoras, profetisas, diaconisas, encontramos vários exemplos da presença de mulheres na história cristã. Mulheres que, em muitos momentos, foram omitidas, descaracterizadas ou pouco citadas nas narrativas cristãs. Mulheres como a “mulher sem nome” que unge Jesus a quem Ele declara: “Eu lhes asseguro que onde quer que o evangelho for anunciado, em todo o mundo, também o que ela fez será contado em sua memória” (Marcos 14.9), identificada com Maria de Betânia, irmã de Lázaro, em João 12.1-8 e com a mulher pecadora em Lucas 7.36-50. A mulher que compreendeu o messianismo de Jesus e o ungiu, sendo aprovada pelo Mestre. Uma mulher que o reconheceu como o Messias, e que, segundo Fiorenza (1992, p.10):

“(...) é provável que na história original a mulher tenha ungido a cabeça de Jesus. Uma vez que o profeta no Antigo Testamento ungiu a cabeça do rei judeu, a unção da cabeça de Jesus deve ter sido entendida imediatamente como o reconhecimento profético de Jesus, o Ungido, o Messias, o Cristo. Em consonância com a tradição, foi uma mulher que assim nomeou Jesus por sua ação simbólica profética.”

Essa mulher “sem nome” caracteriza o verdadeiro discípulo, que além de reconhecer Jesus como o Messias, o unge, mostrando que compreendeu a messianidade de Jesus que significa sofrimento e morte.

Mulheres como esta, fazem parte do processo de redescobrimento da história cristã primitiva como história de mulheres, que também proclamaram o evangelho. Mulheres que estavam no centro da vida e da teologia cristãs, que desenvolveram liderança no movimento cristão emergente. Mulheres que tinham o poder e a autoridade do evangelho.

Como diz Fiorenza (1992, p. 11): “a Bíblia não é mera coleção histórica de escritos, mas é também Escritura Sagrada, evangelho, para os cristãos de hoje”, portanto, por possuir tamanho significado para os cristãos, não pode ser re-significada como mera literatura, mas passar por uma releitura hermenêutica, através de análise crítica histórica e teológica e o desenvolvimento de uma hermenêutica histórico-bíblica feminista. Os escritos bíblicos são formulações históricas surgidas num contexto histórico, produtos de cultura e linguagem patriarcal e androcêntrica, entendendo que: patriarcado é um “sistema sociocultural em que poucos homens têm poder sobre outros homens, mulheres, crianças, escravos e povos colonizados” (Fiorenza: 1992, p.57) e androcentrismo é uma postura mental: do grego aner, andros = o homem; androcentrismo = centralização do homem. Estrutura preconceituosa que caracteriza as sociedades de organização patriarcal, pela qual – de maneira ingênua ou propositada – a condição humana é identificada com a condição de vida do homem adulto do sexo masculino. O homem é a medida de todo ser humano (PRAETORIUS: 1997, p.21).

“Será que a primitiva história cristã é a ‘nossa própria’ história ou herança? Será que as mulheres foram tanto quanto os homens as iniciadoras do movimento cristão?” (FIORENZA: 1992, p. 15).

Não se pode ignorar a história das mulheres, sua herança bíblica, abrindo para as estruturas ocidentais, que definem as mulheres como secundárias. Todos os textos cristãos primitivos estão em linguagem androcêntrica e são condicionados por seu meio ambiente e histórias patriarcais. Na visão androcêntrica as mulheres são histórica e culturalmente marginais. Nos textos androcêntricos a tendência é apagar as mulheres como participantes ativas da história. Portanto, esses textos não devem ser tomados como documentos fidedignos de história, cultura e religião humanas. Para que as mulheres possam estar em contato com suas próprias raízes e tradição, é preciso reescrever a tradição cristã e a teologia e, assim, se torne também a história “delas” e não apenas a história “deles”.

Neste contexto de reconstrução histórica do Cristianismo das origens, uma das personagens mais violentadas simbólica e historicamente foi Miriam de Mágdala, conhecida como Maria Madalena. Discípula de Cristo, apóstola dos apóstolos segundo os pais da Igreja, esta líder da Comunidade Cristã Primitiva teve sua identidade roubada e foi identificada e transformada na prostituta arrependida, apagando assim, sua atuação apostólica nos primórdios do cristianismo.

“Se a identidade feminista não se baseia na experiência de sexo biológico ou de diferenças essenciais de gênero, mas na experiência histórica comum de mulheres enquanto colaboram inconscientemente ou lutam em cultura e história patriarcais, então a reconstrução das origens cristãs primitivas em perspectiva feminista não é só tarefa história, mas também feminista (FIORENZA: 1992 pp. 58, 59).

A proposta e o desafio são: libertar as mulheres de textos, estruturas, instituições e valores patriarcais e reconhecer seu valor e sua atuação na história do início do cristianismo.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Desabafo (Maria Madalena)


É mais fácil calar o que não se entende.

Ir contra os padrões? Assumir riscos? Não. Sigamos o comum, nademos conforme a maré.

Silencie a mulher, não permita que ela fale.

Melhor, distorçamos sua história, transformemos sua vida num romance, que ela se torne uma personagem menor, para que seu pecado se evidencie e não suas obras.

Cale-se! Ponha-se no seu lugar. Sexo frágil, inferior, uma coitada.



Não! Este não é o meu lugar. Conheço meus defeitos, não acrescente nada às minhas sinas. Não sou uma coitada, sou uma guerreira, que com minhas próprias forças, conquistei meu espaço.

Sou mulher, não sou frágil, enfrento o tempo todo a maré contrária;

Não sou inferior, fui escolhida como líder, como general das guerras que travo, todos os dias.

Não vou me calar. Sou anunciadora da verdade, proclamadora da justiça.


Sou uma serva de Deus/Deusa, só me curvo diante de Sua presença. Mas diante da vida eu me ergo, me posiciono e faço com que ouçam a minha voz.


Sou mulher e não me calo.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Maria de Mágdala – Resgate do seu valor

Para não reconhecer o valor e o papel da mulher em grandes acontecimentos históricos, o caminho mais fácil para a nossa instituição androcêntrica foi distorcer a sua história. Podemos chamar de violência simbólica, quando uma mentira é instaurada no lugar de uma verdade. Parece tão natural, que a deformação do real se torna eficaz em nossas mentes. Um grande exemplo dessa violência histórica é Maria de Mágdala, conhecida como Maria Madalena.

Maria de Mágdala teve sua identidade roubada e, por tantos séculos sua história foi distorcida, que há grande dificuldade em resgatar sua real importância.

Segundo os registros dos Evangelhos, Maria não era uma ex-prostituta. Em nenhum momento da história mostra que Maria atuava como prostituta. Existe a citação de uma pecadora que unge os pés de Jesus (Lucas 7.37, 38), mas ela não é identificada. Essa associação acontece pela primeira vez no século VI, na Igreja do Ocidente, onde Gregório Magno, em seu sermão de 14/09/591, identifica a mulher pecadora tanto com Maria Madalena quanto com a Maria de Betânia. A partir daí foi fácil para a igreja continuar essa associação e, de forma até poética, usar o arrependimento dessa mulher pecadora como exemplo a ser seguido.

As informações que temos a seu respeito, segundo os Evangelhos, são de que era uma das seguidoras de Jesus, com uma liderança reconhecida, que encabeçou o grupo das mulheres que cuidaram do corpo de Jesus quando ele morreu, foi a primeira testemunha de sua ressurreição e a primeira a divulgá-la. Também está registrado que dela Jesus tirou sete demônios. A possessão demoníaca nos evangelhos não é identificada apenas com pecado, mas principalmente com a enfermidade. Ela provavelmente sofria de uma enfermidade de caráter psíquico, que pode representar tristeza, angústia ou a negação de Deus. O número sete representa a totalidade do ser, ou seja, Maria foi completamente curada de seus problemas, ou de seu afastamento de Deus. Além destes dados, podemos saber mais a seu respeito a partir do seu apelativo – de Mágdala. Maria não era chamada a partir de um homem (marido, pai ou irmão), mas segundo sua cidade de origem. Por ser chamada assim, indica que ela não vivia mais em seu povoado. Podemos entender mais sobre ela conhecendo o contexto de Mágdala. Era uma cidade com notável comércio têxtil e de tinturaria, bem helenizada – formada pela cultura grega – considerada num clima político revoltoso, centro da rebelião zelota contra os romanos. Maria também fazia parte do grupo que seguia Jesus, portanto, com possibilidade de itinerância e independência financeira.

Existem muitas outras citações de Maria de Mágdala, sua liderança e desenvolvimento eclesiástico nos escritos de Nag Hamadi, porém, vou me ater às informações encontradas nos evangelhos. Com estes dados, já podemos reconhecer o erro histórico contra a identidade de Maria ao associá-la com uma prostituta arrependida, que não tinha nada e passou a seguir o Mestre, escondida por trás da liderança dos apóstolos. Podemos perceber que Maria foi essencial na propagação do evangelho e na construção da igreja de Cristo. Infelizmente, a institucionalização eclesiástica, regada por um patriarcalismo crescente, omitiu o papel dessa apóstola de Jesus na formação do cristianismo primitivo.

Se a líder que encabeça a luta por um papel importante para a mulher no novo movimento... se a força de sua memória e de sua imagem é neutralizada... é mais fácil silenciar as mulheres e roubar delas um protagonismo que molesta e incomoda.” (Carmiña Navia Velasco “Violência Histórica contra Maria de Mágdala” – In: “As Mulheres e a Violência Sexista”)

Nós, mulheres, precisamos resgatar nossa história e valorizar aquelas que doaram suas vidas em prol do evangelho de Cristo. Não podemos aceitar essa violência contra a nossa história, nossa identidade, nosso valor e nosso papel como seguidoras de Cristo.

Que sejamos fortes como Maria de Mágdala, que, apesar de ter sua identidade roubada, marcou a história como uma grande líder, que passou adiante os ensinamentos de Cristo.